Haverá limites à obsolescência ( o ato de comprar supérfluos)?
''Quem supôs que um cachorro precisa de roupas e brinquedos?
As necessidades se impõem ao freguês que vive para o trabalho e trabalha para comprar. É o compro , logo existo''.
Regina Régia Canil, pedagoga.
''Quem supôs que um cachorro precisa de roupas e brinquedos?
As necessidades se impõem ao freguês que vive para o trabalho e trabalha para comprar. É o compro , logo existo''.
Regina Régia Canil, pedagoga.
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Consumo: quando o desejo de comprar vira doença
O endividamento crônico atinge milhões de brasileiros e pode ser uma porta de entrada para o vício do consumismo compulsivo
Carina Rabelo
Nunca foi tão fácil conseguir crédito. Às vésperas do Natal, o mercado pouco exige do pagador. A compra é parcelada a perder de vista, sem entrada.
O financiamento, pré-aprovado, é quase ilimitado. Para quem sabe gerir dinheiro, isso significa boas oportunidades. Para quem gasta sem
pensar e adquire o que não precisa, pode ser a perdição total. Neste grupo, os mais vulneráveis são os compradores compulsivos, parte significativa dos 22% dos brasileiros que possuem dívidas impagáveis e de 85% das famílias que têm despesas superiores ao rendimento, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
pensar e adquire o que não precisa, pode ser a perdição total. Neste grupo, os mais vulneráveis são os compradores compulsivos, parte significativa dos 22% dos brasileiros que possuem dívidas impagáveis e de 85% das famílias que têm despesas superiores ao rendimento, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Neste caso, o consumismo desenfreado é uma doença. Um dos sinais de desequilíbrio é o alto grau de irritação diante da impossibilidade
de comprar e a impulsividade do ato. “São pessoas que compram sozinhas, optam por objetos repetidos, sem utilidade, e escondem as aquisições dos familiares”, afirma Tatiana Filomensky, coordenadora do grupo de atendimento dos compradores compulsivos no Hospital das Clínicas de São Paulo. “Eles saem para comprar um terno e voltam com uma televisão.” Seis anos atrás, apenas três pacientes estavam em tratamento.
de comprar e a impulsividade do ato. “São pessoas que compram sozinhas, optam por objetos repetidos, sem utilidade, e escondem as aquisições dos familiares”, afirma Tatiana Filomensky, coordenadora do grupo de atendimento dos compradores compulsivos no Hospital das Clínicas de São Paulo. “Eles saem para comprar um terno e voltam com uma televisão.” Seis anos atrás, apenas três pacientes estavam em tratamento.
Neste ano, são 24 e há 50 nomes em lista de espera. A aquisição de produtos idênticos ou inúteis e o medo de encarar os débitos são características do consumista patológico. É o que ocorre com a administradora M.S., 40 anos, que coleciona bijuterias, sapatos, bolsas e calças do mesmo modelo e da mesma cor. Há quatro anos, quando sua dívida chegou a R$ 25 mil, ela decidiu frequentar os Devedores Anônimos (DA), em São Paulo. “O guardaroupa estava cheio e nada me interessava”, diz a administradora, que ganhava R$ 5 mil e gastava R$ 500 em cada ida ao shopping. Ela lamenta não ter construído um patrimônio nem priorizado a família. “Comprava tudo para mim e nada para o meu filho.
Hoje me culpo por isso”, diz. Diante da vergonha do endividamento crônico, é comum que os compulsivos escondam a fatura bancária dos familiares.
“Eu não queria admitir a dívida e escondia as compras da minha esposa”, afirma o físico C.A., 61 anos. Uma de suas manias é preencher o
freezer até o limite com os mesmos alimentos, das mesmas marcas, mesmo ciente de que não serão consumidos no prazo de validade. “Se o freezer não estiver lotado, tenho a sensação de escassez”, explica o físico, que há um ano entrou para o DA.
freezer até o limite com os mesmos alimentos, das mesmas marcas, mesmo ciente de que não serão consumidos no prazo de validade. “Se o freezer não estiver lotado, tenho a sensação de escassez”, explica o físico, que há um ano entrou para o DA.
Para quitar parte de suas dívidas, certa vez conseguiu um empréstimo de R$ 9 mil – e gastou o valor em três dias. “Nem lembro o que comprei.”
Alguns compulsivos buscam ajuda em grupo anônimo
A necessidade de manusear valores o levava diariamente ao caixa eletrônico “O barulho da maquininha liberando o dinheiro me fazia bem”,
diz o físico, que fazia saques duas vezes por dia. “Me sentia mal em aniversários e casamentos porque tudo era de graça. Corria das festas
para lojas para comprar.” O resultado: três cartões de crédito estourados, eletrôcheque especial no limite e uma dívida de R$ 22 mil.
diz o físico, que fazia saques duas vezes por dia. “Me sentia mal em aniversários e casamentos porque tudo era de graça. Corria das festas
para lojas para comprar.” O resultado: três cartões de crédito estourados, eletrôcheque especial no limite e uma dívida de R$ 22 mil.
A compulsão por compras costuma vir acompanhada de outros vícios, segundo pesquisa da Universidade da Carolina do Norte (EUA). “Há um parentesco entre as diversas formas de manifestação”, diz o psiquiatra Miguel Roberto Jorge, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Por exemplo: um jovem que compra de forma impulsiva pode migrar para o alcoolismo ou vício em jogos na terceira idade. Grande parte dos endividados crônicos sofre de consumo compulsivo, mas há os que entram neste rol por incapacidade de gerir seu negócio ou sua conta bancária. O empresário W.P., 50 anos, deve 15 vezes seu patrimônio. O rombo financeiro comprometeu a renda de toda a família e surpreendeu a esposa e os filhos, que desconheciam a situação. A dívida destruiu um casamento de 25 anos e levou os familiares a cogitar a interdição judicial. “Fui expulso de casa”, conta.
NO VERMELHO Davi deve R$ 40 mil e recebe R$ 800.
O caos foi o resultado de empréstimos e créditos com sete instituições financeiras. Ele foi parar no hospital quando a sua dívida aumentou
85% com a bola de neve dos juros.
85% com a bola de neve dos juros.
“Me afundei. Recorri a agiotas e sofri ameaças.” Apesar de não dispor mais de bens pessoais para se desfazer, o empresário acredita que ainda pode quitar a dívida. Enquanto isso, se esforça para pagar a fatura mínima do cartão de crédito. O advogado José Serpa Júnior, especialista em direito do consumidor, alerta que o pagamento mínimo é uma das armadilhas que dão falso conforto ao endividado. “Em um ano o débito triplica”, explica. Entre as recomendações do tratamento médico para compulsivos está não pagar a conta do cartão. “É uma forma de o paciente ter o nome sujo e não poder obter o crédito”, afirma Tatiana Filomensky.
O poder das instituições financeiras diante dos superendividados tem sido questionado pela Justiça. Em duas sentenças inéditas, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou o banco Itaú por fornecer crédito consignado acima das possibilidades dos endividados crônicos. “Não se trata de fazer apologia à figura do mau pagador ou de instituir o calote público, mas de analisar a responsabilidade financeira pela má concessão de crédito em valor muito superior à capacidade de endividamento do cliente”, afirma o relator, o desembargador Marcos Torres. Segundo especialistas, os idosos são as maiores vítimas nesses casos.
REPETIÇÃO M.S. gasta R$ 500 no shopping para comprar produtos idênticos
“Eles são um filão pelo crédito descontado na folha”, afirma o advogado José Serpa Júnior. É o caso do ex-auxiliar judiciário Davi Prado Bortolato, 66 anos, que se aposentou com R$ 4.650, mas só recebe R$ 800 líquidos.
Viciado em em préstimos, não resiste a um dinheiro facil “Abria a conta em um banco para cobrir o outro. No final, estava enrolado com seis financeiras”, diz Davi, que alega ter sido seduzido pela promessa do crédito sem juros para a terceira idade.
O descontrole financeiro se tornou uma dívida de R$ 40 mil. “A raiz do endividamento está na distorção do que é essencial, necessário e supérfluo e nas reais condições de pagamento”, afirma Ari Ferreira de Abreu, especialista em contabilidade e finanças familiar. “O fútil é importante, traz felicidade”, diz o professor. “Desde que não comprometa o que é essencial."
FILOSOFIA O que é a nova sociedade de consumo e o papel da felicidade na sua dinâmica?
Gilles Lipovetsky É muito complicado, existem muitas coisas envolvidas. Escrevi um livro para descrevê-la chamando de "hiperconsumista", isto é, que consome de uma maneira "hiperindividualizada". Ela é baseada nos indivíduos e não mais na família, por exemplo, como no caso da telefonia. Cada membro da família tem um telefone atualmente, até mesmo as crianças, e isso pode ser estendido aos computadores e máquinas fotográficas, etc. Portanto, cada vez mais por meio do "hiperconsumismo" cada indivíduo pode construir sua vida de uma maneira mais autônoma e livre, porque se é menos tributário do ponto de vista coletivo.
FILOSOFIA Isso ocorre em todas as classes sociais?
Gilles Lipovetsky O "hiperconsumo" é igualmente responsável pelo desaparecimento da cultura de classes. Nas favelas, por exemplo, mesmo os pobres conhecem as marcas de luxo, acompanham a moda, sabem de marcas conhecidas e querem viajar em férias por causa da publicidade e da televisão. As classes sociais ainda existem, há cada vez mais os mais ricos e os mais pobres e grandes injustiças, porém, ao mesmo tempo, todos têm o mesmo ponto de referência. E aqui surgem alguns problemas, porque os pobres desejam ter um carro, viajar, consumir marcas famosas e se frustram porque nem sempre têm dinheiro. Cria-se, dessa maneira, uma sociedade da frustração.http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/49/artigo179777-3.asp